Da natureza do fluido e sua ação
Sabe-se que o fluido magnético comum pode dar, a certas substâncias, propriedades particulares ativas; neste caso, age de alguma sorte como agente químico, modificando o estado molecular dos corpos; nada há, pois, de espantoso em que possa mesmo modificar o estado de certos órgãos; mas compreende-se, igualmente, que sua ação, mais ou menos salutar, deve depender de sua qualidade; daí as expressões de “bom ou mau fluido; fluido agradável ou penoso”.
Na ação magnética propriamente dita, é o fluido pessoal do magnetizador que é transmitido, e esse fluido que não é outro senão o perispírito, sabe-se que participa sempre, mais ou menos, das qualidades materiais do corpo, ao mesmo tempo que sofre a influência moral do Espírito.
É, pois, impossível que o fluido próprio de um encarnado seja de uma pureza absoluta, e é por isso que sua ação curativa é lenta, algumas vezes nula, algumas vezes mesmo nociva, porque pode transmitir ao enfermo princípios mórbidos.
De que um fluido seja bastante abundante e enérgico para produzir efeitos instantâneos de sono, de catalepsia, de atração ou de repulsão, não se segue, de nenhum modo, que tenha qualidades necessárias para curar; é a força que abate, e não o bálsamo que abranda e repara; assim ocorre com os Espíritos desencarnados de uma ordem inferior, cujo fluido pode mesmo ser malfazejo, o que os Espíritas têm, a cada instante, a ocasião de constatar.
Só nos Espíritos superiores o fluido perispiritual está despojado de todas as impurezas da matéria; de alguma sorte, ele é quintessenciado; sua ação, por consequência, deve ser mais salutar e mais pronta; é o fluido benfazejo por excelência. Uma vez que não se pode encontrá-lo entre os encarnados, nem entre os desencarnados vulgares, é preciso, pois, pedi-lo aos Espíritos elevados, como se vai procurar nas regiões longínquas os remédios que não se encontram na sua. O médium curador emite pouco de seu próprio fluido; ele sente a corrente do fluido estranho que o penetra e ao qual serve de condutor; é com esse fluido que magnetiza, e aí está o que caracteriza o magnetismo espiritual e o distingue do magnetismo animal: um vem do homem, o outro dos Espíritos. Como se vê, não há aí nada de maravilhoso, mas um fenômeno resultante de uma lei da Natureza que não se conhecia.
Para curar pela terapêutica comum, não basta qualquer medicamento; são necessários puros, não avariados ou adulterados, e convenientemente preparados; pela mesma razão, para curar pela ação fluídica, os fluidos mais depurados são os mais saudáveis; uma vez que esses fluidos benfazejos são o próprio dos Espíritos superiores, é, pois, o concurso destes últimos que é necessário obter; é por isso que a prece e a invocação são necessárias. Mas para orar, e sobretudo orar com fervor, é preciso a fé; para que a prece seja escutada, é preciso que seja feita com humildade e ditada por um sentimento real de benevolência e de caridade; ora, não há de verdadeira caridade sem devotamento, e não há de devotamento sem desinteresse; sem essas condições, o magnetizador, privado da assistência dos bons Espíritos, nisso está reduzido às suas próprias forças, frequentemente insuficientes, ao passo que com seu concurso podem ser centuplicados em poder e em eficácia. Mas não há licor, tão puro que seja, que não se altere passando por um vaso impuro; assim ocorre com o fluido dos Espíritos superiores passando pelos encarnados; daí, para os médiuns em que se revela essa preciosa faculdade, e que querem vê-la crescer e não se perder, há necessidade de trabalhar para a sua melhoria moral.
Entre o magnetizador e o médium curador há, pois, esta diferença capital, que o primeiro magnetiza com seu próprio fluido, e o segundo com o fluido depurados dos Espíritos; de onde se segue que estes últimos dão seu concurso àqueles que querem e quando querem; que podem recusá-lo, e, por consequência, tirar a faculdade àquele que dela abusasse ou a desviasse de seu objetivo humanitário e caridoso para dela fazer um tráfico.
Quando Jesus disse aos seus apóstolos: “Ide! expulsai os demônios, curai os enfermos”, acrescentou: “Dai gratuitamente o que recebestes gratuitamente.”
Os médiuns curadores tendem a se multiplicar, assim como os Espíritos anunciaram, e isto tendo em vista propagar o Espiritismo pela impressão que essa nova ordem de fenômenos não pode deixar de produzir sobre as massas, porque não há ninguém que não pense em sua saúde, mesmo os mais incrédulos. Quando, pois, se verá obter com o concurso dos Espíritos o que a ciência não pode dar, seria preciso muito convir que há uma força fora de nosso mundo; a ciência será assim conduzida a sair da via exclusivamente material onde permanece até este dia; quando os magnetizadores anti-espiritualistas, ou anti-espíritas, virem que existe um magnetismo mais poderoso do que o seu, serão muito forçados a remontar à verdadeira causa.
Importa, no entanto, premunir-se contra o charlatanismo, que não faltará em tentar explorar, em seu proveito, essa nova faculdade. Há, para isso, um meio muito simples, é o de recordar-se de que não há charlatanismo desinteressado, e que o desinteresse absoluto, material e moral, é a melhor garantia de sinceridade.
Fonte: Revista Espírita - Allan Kardec (Ano 7 / Janeiro – 1864)